ESTUDO: Pesquisa aponta que explorador Percy Fawcett nunca esteve na Serra do Roncador

Análise de especialista levanta dúvidas, associação entre Fawcett e a cidade deva-se ao misticismo e a questão esotérica que a cidade abraça por conta da Serra do Roncador

Por: Ricardo Rogers | Barra do Garças-MT

Em meio às especulações sobre a possível presença do lendário explorador Percy Fawcett em Barra do Garças e na enigmática Serra do Roncador, uma questão histórica emerge para lançar uma nova perspectiva sobre o assunto.

Em uma entrevista esclarecedora, conversamos com Deborah Lavorato Leme, Mestre em História Social pela USP e pesquisadora sobre a trajetória do explorador inglês Percy Harrison Fawcett no Brasil.

O mito que surge sobre o explorador inglês é pauta de documentários, podcasts e discussões acadêmicas. Entretanto a realidade histórica pode ser um pouco diferente.

Professora Deborah Lavorato Leme, quem foi Percy Fawcett?

– Percy Harrison Fawcett foi um famoso explorador, topógrafo, oficial do exército inglês, ocultista e arqueólogo amador. Ele nasceu em 31 de agosto de 1867 em Torquay, cidade litorânea no sul da Inglaterra e desapareceu no Brasil em 1925, aos 58 anos de idade. Era filho de Myra Elizabeth MacDougall e do capitão Edward Boyd Fawcett, oficial do exército britânico nascido na Índia. P. H. Fawcett seguiu os passos do pai e optou pela careira militar, tornando-se oficial de artilharia aos 19 anos, quando foi enviado ao Ceilão. Foi lá que ele conheceu e se casou com Nina Agnes Paterson, filha de um magistrado local, com quem teve três filhos: Jack (1903-19??), Brian (1906-1984) e Joan (1910-2005). Ele veio para a América do Sul pela primeira vez em 1906, quando aceitou o convite da Royal Geographical Society (RGS) para se juntar à chamada Comissão Mixta [sic] de mapeamento da fronteira entre o Brasil e a Bolívia. Além de militar bem-sucedido, Fawcett foi reconhecido ainda em vida como um ótimo topógrafo e um estudioso do ocultismo, o que acabou por contribuir para a construção de uma certa aura mística e supersticiosa em torno de sua figura. Seu círculo de amigos contava com algumas figuras proeminentes da cena literária britânica do final do século XIX e começo do XX como, por exemplo, os escritores Henry Rider Haggard (1856-1925) e Arthur Conan Doyle (1859-1930), conhecidos por serem os criadores dos icônicos personagens Allan Quatermain e Sherlock Holmes respectivamente, personagens que marcaram a cultura e o imaginário da Era Vitoriana.

  • Como foi a última expedição dele no Brasil?

– A última expedição de Fawcett começa em meados de 1924, quando em maio desse ano ele vai à Londres (a família morava em Stoke Canon, em Devon) para angariar fundos para o financiamento da expedição. Sem obter muitos resultados em Londres, Fawcett vai para Nova York com o mesmo objetivo: conseguir dinheiro. Lá ele faz um acordo com a NANA – North American Newspaper Alliance (NANA), um conglomerado de jornais estadunidenses que aceita patrocinar a empreitada de Fawcett exigindo, em contrapartida, que ele lhes enviasse em primeira mão todo e qualquer avanço ou descoberta realizados pela expedição. Com o patrocínio da NANA Fawcett segue de navio para o Rio de Janeiro. Do Rio seguem para São Paulo, onde visitam o Instituto Butantan e conseguem soro antiofídico para picadas de cobra. De lá o grupo vai para Cuiabá, capital do Mato Grosso e depois seguem em direção a região que futuramente abrigaria o Parque Nacional Indígena do Xingu. É nessa vasta região que Fawcett teria desaparecido. No interior do Mato Grosso o trio estava à procura de resquícios de uma cidade perdida originária de Atlântida, uma ilha descrita pela primeira vez na literatura ocidental por volta do ano 355 a.C.6 pelo filósofo Platão em seu diálogo Timeu-Crítias. É a essa cidade perdida – cujos habitantes seriam descendentes diretos dos atlantes – que Fawcett procurava e cuja descoberta ele considerava “a resposta para o enigma da América do Sul Antiga”. Ele chamou essa cidade de “Z”. Entre 1906 e 1925 Fawcett realizou sete expedições à América do Sul, nas quais percorreu os territórios da Bolívia, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Peru e Brasil. Mesmo que o objetivo de todas essas expedições não fosse encontrar Z, Fawcett sempre dava um jeito de procurar pistas sobre a localização da cidade perdida e reunir informações que corroborassem suas teorias.

  • Coronel Fawcett passou por Barra do Garças?

-Durante meus estudos não encontrei nenhuma referência a passagem de Fawcett pela região de Barra do Garças, sei que há uma estátua do explorador na cidade, mas acredito que essa associação entre ele e a cidade deva-se ao misticismo e a questão esotérica que a cidade abraça por conta da Serra do Roncador. Os registros de Fawcett indicam que ele percorreu mais a região de Cuiabá, indo mais ao norte, até o atual Parque do Xingu.

  • Percy Fawcett andou pela Serra do Roncador?

– Durante meus estudos também não encontrei nenhuma referência a passagem de Fawcett pela Serra do Roncador, mas não descarto essa possibilidade, pois os registros de Fawcett são um tanto caóticos, em muitos casos ele não determina com exatidão a rota que percorreu nem as datas em que passou por determinados locais. Lembro de ter lido alguma teoria da conspiração sobre a possibilidade da cidade perdida de Z – pela qual Fawcett procurava – ter algum tipo de comunicação subterrânea com a Serra do Roncador, como se fosse possível acessá-la por algum portal escondido no Roncador. Fora isso, não me lembro de nenhuma outra ligação de Fawcett com a Serra do Roncador.

 Coronel Percy Harrison Fawcet – PRAÇA DA MATRIZ | BARRA DO GARÇAS-MT
  • Percy Fawcett, sobre a entrevista de Villas Boas, ele matou um pato e foi morto por tribos indígenas?

-As primeiras expedições de resgate começaram a ser enviadas para Cuiabá em 1928 e o plano de ação delas consistia basicamente em refazer os passos de Fawcett, seguindo o rastro dele por onde ele passou. Foi assim que o líder de uma dessas expedições, George Dyott, obteve a informação de que a última comunidade indígena onde Fawcett teria sido visto vivo foi a dos Calapalos, que alegavam que, após o coronel e seus parceiros partirem, viram a fumaça da fogueira deles por três dias seguidos e, após esse período, não viram mais nenhum sinal dos viajantes brancos. Era essa a versão dos fatos relacionados ao desaparecimento de Fawcett que tivemos conhecimento por muito tempo. A história de que Fawcett matou um pato e por esse motivo foi morto pelos indígenas é apenas uma das diversas versões que existem sobre o que teria motivado os indígenas a assassinarem Fawcett. Uma dessas versões alega que Fawcett teria repreendido ou até mesmo agredido uma criança indígena que por curiosidade tentou pegar sua faca ou sua arma. Outra versão diz que Fawcett teria exigido do cacique Calapalo canoas para seu grupo prosseguir viagem, mas, após ser contrariado pelo chefe indígena, Fawcett teria gritado com ele, protestando pela recusa dos nativos em colaborar com o andamento da expedição, o que teria sido extremamente desrespeitoso e irritou profundamente os Calapalos. Descobrir o destino de P. H. Fawcett não era o objetivo dos Villas Boas, no entanto, desde outubro de 1946 os irmãos estavam em contato com os indígenas Calapalos e tentavam obter deles informações mais detalhadas sobre o paradeiro de Fawcett. Passaram-se anos até que, em abril de 1951, Orlando Villas Boas conseguiu fazer com que alguns Calapalos admitissem ter conhecimento do local onde o corpo do coronel Fawcett estaria enterrado. E não apenas isso, conseguiu que eles o conduzissem até o local exato – a ponta de um braço do rio Culuene que no período da seca ficava isolado e se transformava numa lagoa –, escavassem e recuperassem os supostos restos mortais do coronel Fawcett e/ou de seus companheiros, Jack e Raleigh. Na cova rasa, de pouco menos de meio metro de profundidade, encontraram uma ossada. No entanto, comprovouse posteriormente que a ossada não pertencia a Fawcett, pois ele usava dentadura e, antes de desaparecer, havia deixado uma de suas próteses em casa, o que possibilitou o exame comparativo da arcada dentária, realizado pelo Royal Anthropological Institute, em Londres. Constatou-se também que a ossada não poderia ser de Jack ou de Raleigh por conta do cumprimento do fêmur: os ossos encontrados pelos Vilas Boas pertenciam a um homem muito mais baixo do que os dois rapazes.

  • Qual foi o último contato de Fawcett?

-De acordo com um artigo publicado no Geographical Journal em 1928, “The last authentic news of Col. Fawcett is dated 30 May 1925” / “As últimas notícias autênticas do Coronel Fawcett datam do dia 30 de maio de 1925”, e consistem em um despacho enviado para a North American Newspaper Alliance (NANA), um conglomerado de jornais estadunidenses que em 1924 aceitara patrocinar a empreitada de Fawcett. No dia anterior ao envio do despacho para a NANA, 29 de maio de 1925, Fawcett havia mandado uma carta para sua esposa, Nina Fawcett, que está publicada no livro “A Expedição Fawcett”. Esse despacho e essa carta consistem no último contato de Fawcett de que temos conhecimento até hoje.

Quais as prováveis causas do desaparecimento de Fawcett?

-O único consenso sobre o desaparecimento de Fawcett é que ele sumiu na companhia do filho mais velho, Jack Fawcett, e de um amigo do filho, chamado Raleigh Rimmel, em maio de 1925, na região do atual estado do Mato Grosso. O corpo dele e dos demais membros da expedição nunca foram encontrados, embora ao longo do tempo tenham surgido teorias como a do “esqueleto na Lagoa Verde”, muito bem documentada pelo jornalista Antonio Callado no livro homônimo de 1953. Nesse livro-reportagem, Callado expõe brilhantemente a história do descobrimento da ossada na comunidade Calapalo em 1951 pelos irmãos Villas Boas, que sabemos não pertencer nem a Fawcett nem a nenhum de seus companheiros de viagem. Dessa forma, o desaparecimento de Fawcett e seus companheiros permanece um mistério, sendo as causas mais prováveis a morte por inanição, em decorrência de doenças e ferimentos, ataque de animais ou de indígenas, mas sem evidências concretas não há como termos certeza do que realmente ocorreu. Alguns grupos, como a Sociedade Brasileira de Eubiose, seguem acreditando na possibilidade de Fawcett e seu filho Jack terem encontrado a cidade perdida de Z na Serra do Roncador, onde ambos teriam liderado uma comunidade esotérica.

Fim

Diante das palavras de Deborah Lavorato Leme, fica claro que a presença de Percy Fawcett em Barra do Garças e na Serra do Roncador pode ser mais um dos muitos mistérios que permeiam a história da exploração na América do Sul, exigindo uma abordagem crítica e cuidadosa para separar fatos da ficção.

Deborah Lavorato Leme:

Bacharel (2018) e licenciada (2021) em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, mestre em ciências (2023) pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da mesma faculdade e especialista em ensino a distância (2023) pela UNIVESP. Pesquisa a trajetória do explorador inglês Percy Harrison Fawcett no Brasil durante a República Velha, suas expedições de demarcação de fronteira realizadas no Brasil, no Peru e na Bolívia, além da repercussão de seu desaparecimento.

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