Artigo
Atravessamos uma crise antropológica: a humanidade se desumaniza, aponta o filósofo. Diante de catástrofes e retorno a dogmatismos, a luta política exige resgatar do Eros e preparar nova geração a pensar e agir fraternalmente. O inesperado é sempre possível.
Um novo foco de guerra acendeu-se no Oriente Médio após o massacre perpetrado pelo Hamas no dia 7 outubro de 2023, seguido pelos mortais bombardeios de Israel em Gaza. Essas carnificinas, acompanhadas das perseguições na Cisjordânia e das declarações de anexionismo, despertaram a adormecida questão palestina. Demonstraram ao mesmo tempo a urgência, a necessidade e a impossibilidade de descolonizar o que resta da Palestina árabe e de criar um Estado palestino. Dado que não foi nem será exercida nenhuma pressão sobre Israel para alcançar uma solução com dois Estados, só podemos esperar que esse terrível conflito se intensifique e se amplie. Essa é uma lição trágica da história: os descendentes de um povo perseguido durante séculos pelo Ocidente cristão e depois racista, podem se tornar, ao mesmo tempo, os perseguidores e o bastião avançado do Ocidente no mundo árabe. O pensamento tornou-se cego.
A democracia está em crise em todos os continentes: cada vez mais é substituída por regimes autoritários que, dispondo de meios digitais para o controle das populações e dos indivíduos, tendem a criar sociedades submissas que poderíamos definir como neototalitárias. A globalização não criou nenhuma solidariedade e as Nações Unidas estão cada vez mais desunidas.Somos arrastados para uma corrida rumo ao desastre. A primeira resistência é aquela do espírito, que deve ser capaz de resistir à intimidação de todas as mentiras espalhadas como verdade e ao contágio de todas as embriaguezes coletivas.
Deve saber nunca ceder ao delírio da responsabilidade coletiva de um povo ou de uma etnia. Exige que se saiba resistir ao ódio e ao desprezo. Requer o esforço de compreender a complexidade dos problemas sem nunca ceder a uma visão parcial ou unilateral. Requer pesquisa, verificação das informação e aceitação das incertezas.É a união, dentro de nós, dos poderes de Eros e daqueles de um espírito responsável que alimentará a nossa resistência às escravidões, às ignomínias e às mentiras. Os túneis não são infinitos, o provável não é certo, o inesperado é sempre possível.
Autor: Edgar Morin, pseudônimo de Edgar Nahoum (Paris, 8 de julho de 1921), é um antropólogo, sociólogo e filósofo francês judeu de origem sefardita.